quinta-feira, 15 de março de 2012

A clepsidra.

O tic-tac do relógio corria atrás do meu batimento cardíaco, uma dança descoordenada de sons e uma articulação aritmética e equitativa de batuques. Em movimentos pendulares o balanço do pêndulo fazia-se sentir na sala. Os ponteiros não paravam e quanto mais os ouvia, mais o meu coração acelerava. O bater da perna irrequieta da figura que se fixava na cadeira à minha frente era desesperante, uma aflição tanta, que o seu roer de unhas era um simples determinante. 
Tic-tac, tic-tac e continuava a acelerar, numa corrida de velocidade entre o tempo e a ansiedade. A mulher na secretária e o virar das folhas, cada contacto era perceptível: o molhar do dedo e o virar da página, o som do carvão e da tinta. Cai a borracha...a cadeira range no chão de madeira e o telefone começa a tocar. "Sim, boa tarde, consultório...", nem tempo havia para terminar, D. Ana, D. Rosa, nome de Madame talvez, em conversas de velhas, ligava apenas para fazer o tempo passar. Tempo...tão pouco tempo que parece tanto em momentos de aflição.
E o roer de unhas continuava. A porta que agora se abria era acompanhada com o som dos saltos de uma mulher, sons calmos completos de elegância, um aroma a verbana que pairava no ar, não o melhor cheiro definitivamente, mas agradável sem exagero. Devagar percorro aquela figura feminina dos pés à cabeça, num movimento calmo deixo de visualizar o chão e passo a observar aquela senhora. Saltos pretos, meias de vidro num tom neutro, numa estação primaveril a saia demonstrava-se demasiado quente, cinzenta e felpuda, a camisa, talvez de seda num cor-de-rosa morto, um casaco de cor preta, apoiado no braço, a condizer com os sapatos, braço este coberto de pulseiras de prata e pérolas, o pescoço presenciado por um conjunto de pérolas e na mão esquerda, uma pequena mala bege. O cabelo cor de fogo apagado, estava apanhado num coque, ornamentado com flores com um chapéu grande e elegante. Uma maquilhagem simples, olhos como duas safiras, brilhantes mas sem expressão, lábios vermelhos mas sem qualquer sorriso. Uma figura altiva, classe alta talvez? Como são as aparências enganadoras, moribunda e aterrada por dentro, esconde-se por de trás dessa fina aparência. Dirige-se ao balcão, um sussurro esconde a verdadeira questão, como que vergonha existisse naquela aparição. 
O ambiente é pesado e o ar da própria sala exerce força sobre nós, nem uma aragem, só o cheiro a tabáco, a verbana, a álcool, a medicamentos e a algo mais, um aroma de difícil percepção...mar, o cheiro a mar escondia-se no meio de cheiros demasiado intensos, uma fragrância pura demais para estar naquele espaço...de onde viria este cheiro? Percorri a sala com o olhar, flores campestres quase secas, armários de remédios, mas nada que indicasse a presença de elementos marítimos...a não ser...na pequena cómoda perto da janela, uma estrela do mar, de cores lindas e intensas, talvez as poucas daquela sala e, a seu lado, um clepsidra. Simples mas bela, deixou o meu olhar preso, hipnotizado com o dança da areia que nela existia. Os pequenos grãos que batiam no vidro eram como sons de libertação. No meio daquele mundo degradante, aquela era a porta de saída, um pequeno objecto que a muitos, antigo e inútil, passava despercebido, a mim fazia-me ficar agarrada a ele mais do que outra coisa. Perdida no encanto daquela ampulheta, acordei quando a secretária chamou o meu nome: "É a sua vez". Por minutos a ansiedade tinha diminuído, agora o meu coração parecia que saltava do meu peito. O homem sentado na cadeira olhou para mim com um ar de solidariedade, como se eu fosse para o campo de batalha e este me desejasse boa sorte.... Posso jurar por tudo, odeio ir ao dentista!

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